As questões pessoais se sobrepõem às comunitárias em um mundo onde todos apenas consomem para seu bel prazer, pelo prazer em si mesmo. “Sentir-se bem”, se tornou notadamente um “slogan”. E isso de todas as maneiras possíveis. Praticamente tudo começou com a consolidação do mercado produtor e o consumo cada vez maior por parte dos indivíduos. As pessoas se sentem bem ao comprar sempre mais, pois as necessidades vão surgindo e é urgente satisfazê-las. E para fomentar sempre mais o consumo, investe-se em uma metodologia propagandística que promove o desejo crescente de necessidades nas pessoas. O desejo passa à categoria de “motor” nos indivíduos, impulsiona-os. Satisfazer os desejos com isso ou aquilo resume a vida das pessoas. Nesse ambiente, “sentir-se bem” não diz respeito à convivência com outras pessoas; prescinde-se das relações interpessoais.
Essa lógica do prazer evidentemente abrange a pessoa em todas as áreas da existência. Na sexualidade fazem-se tudo por prazer, por gozo. De uma situação de extremismo, de tabus na sociedade passou-se à completa “liberdade” nas questões sexuais. Se em um dado momento histórico anterior o sexo servia para a procriação, atualmente deparamos com uma hiperssexualização que transforma a sexualidade como meio de relações focalizadas no intuito pessoal. O prazer sexual conforma a vida do sujeito, na medida em que passa a compor o cotidiano. E para isso sentimentos humanos mais duradouros não servem, pois a relação sexual é apenas da ordem da satisfação do desejo, do prazer. A sexualidade humana vivida no âmbito da experiência, como a confiança, a amizade, o cuidado de outrem é vivida agora unicamente como expropriação do corpo. Juntamente com essa concepção de sexualidade alia-se o alto grau de sensualidade, de erotismo, que trazem à tona uma nova definição de corpo humano. Isso causou, sobretudo, uma mudança estética, pois se afirma o corpo tendo em vista sua objetivação como "lugar" de prazer. O conceito de beleza corporal está submetido somente à sua finalidade nessa cultura contemporânea, ou seja, servir como instrumento de prazer.
Nesse quadro, podemos afirmar que as relações humanas sofreram alterações significativas. Dentre elas o papel que desempenhava o homem e a mulher na sexualidade. Os parceiros estavam “definitivamente” definidos heterossexualmente, e algo diferente disso era considerado anomalia, patologia. E essa condição já se sabia que vinha com o sujeito na formação intra-uterina, na concepção. Funcionava como força de “lei” natural imutável. O salto dessa visão de sexualidade humana reside na compreensão, por parte de alguns teóricos e na prática de várias pessoas, de que o homem e a mulher nascem com um órgão sexual, mas como se dá a experiência com esse órgão depende da decisão pessoal do sujeito. Cabe ao indivíduo escolher se terá relações heteroafetivas, homoafetivas ou ambas juntas, ao optar ora por uma ora por outra. Isso tendo em vista que quem determina a sexualidade é a história e a cultura.
Fica claro que os padrões sociais sofreram alterações em suas bases estruturais. O que sustentava o modo de vida dos sujeitos e das famílias mudou radicalmente. Aos jovens coube a maior parcela dessa herança social e cultural. Paira no campo de decisões das pessoas a dura tarefa de escolher entre absorver tamanha mutação histórica ou manter-se afastado disso, mas correndo risco de se tornar um corpo estranho no conjunto total da composição da sociedade.
Assim, a vivência da sexualidade, ou melhor, a experiência humana da sexualidade aparece como um campo de encruzilhadas, caminhos e descaminhos desprovidos de qualquer certeza em uma cultura, cujo objetivo incide na satisfação incessante dos desejos dos indivíduos.
Enfim, essas mudanças deslocam um ambiente cultural já constituído há décadas. Aí se encontra o desafio: pensar como o ser humano está situado nesse novo ambiente social instaurado pela força de decisão dos indivíduos preocupados com o gozo e com o prazer.
Por: Marcelo Batista
Disponível em: